Foram as mãos sempre inquietas, eloquentes, o motivo do meu fascínio. Fã incontestável do cinema, observei no enquadramento dos filmes a posição da câmera sempre postada da cintura para cima, sempre dando o espaço e a conveniência de falar com as mãos. É um povo que fala com as mãos. E isso tudo começou quando a família se reunia aos domingos e não poderia ser diferente quando eu chegava, ainda pequeno, e passando pelo portão da casa da nonna, mãos vinham me receber. Ainda nos braços da minha mãe, via chegar aquele povo risonho, de perfil arredondado, vermelho, as mulheres a se esbofetearem alegremente, batendo as mãos, batendo na lateral da cintura. E ali mesmo meu nome mudava: “Vieni qua, ragazzo!”; “Ma che bel bambino!”.

Sempre gostei de ser chamado assim. Adorava esse nome: Bambino. Imaginava que meu nome completo poderia ser Giacomo Santoro Bambino. Por que não? Eu, o primogênito, filho do primogênito da família Santoro, o preferido da nonna, que tinha no meu pai o seu preferido, herdeiro do relógio Omega que meu pai trazia preso na algibeira, e que ao chegar a casa suas mãos o retirava para colocá-lo em minhas mãos, como um objeto de desejo, cheio de histórias, trazido no navio de imigrantes pelo bisnonno.

Os tios, as tias, o nonno, já aboletados na mesa posta no quintal, enchiam os copos com a tintura escura do bom vinho, que ajudava a descer a macarronada disposta com elegância glutona sobre a mesa.

Praticamente, alguns minutos, talvez horas, o chão não via meus pés. Andava de colo em colo, servindo de motivo de alegria, brigas fingidas, falsos ciúmes, e meu pai, legítimo descendente daqueles avermelhados, possuidores de falatório interminável, de conversas atravessadas, se divertia com o meu sorriso e o dedo apontado para a bainha
da camiseta da anziata zia, a tia mais velha, depositada e se ensopando de molho de tomate, as mãos estendidas com o prato na tentativa vã de ser a primeira a me servir.

Sempre as mãos me dirigindo calorosamente um beijo, um afago, um apertão cheio de desejos na minha bochecha, dando início a um acalorado debate quando meus olhos se enchiam de lágrimas pela dor. O que fazia a culpada se sentir humilhada e de repente esconder as mãos criminosas nos bolsos generosos da saia, de onde saíam,
magicamente, alguns doces escondidos só para mim.

Minha mãe, sua tez morena, completamente diferente daqueles seres, se encolhia no canto e era logo retirada por diversas mãos para seu lugar à mesa. Meu nonno, na tentativa de provocar ciúmes em meu pai, enchia de afagos, com a sua mão gorda e enorme, as mãos da minha mãe. Mãos poderosas que me levantavam assustadoramentesobre as guloseimas, os vinhos, os pratos, de onde com um riso nervoso eu sobrevoava as vozes, risos e aquela quantidade de mãos prontas para me aparar, caso caísse. A nonna das nonnas, que a todo instante era repreendida pela minha nonna, sua filha, porque teimava falar na língua da terra e não aquela da terra que os acolheu, se contentava em ficar explicando qualquer coisa para minha mãe na sua língua enrolada, e minha mãe ficava ali tentando entendê-la.

Quando voltávamos, ela comentava com meu pai que entendera mais alguma coisa. Meu pai fazia cara de cético. Ela, triunfante, comemorava que com as suas aulas de francês conseguira identificar o mangiare da anziani nonna com o manger de suas aulas. E brincava que a todo tempo aquelas mãos estavam sempre tão perto da comida!
Eu imaginava que ninguém poderia comer tanto e falar ao mesmo tempo, se não tivesse a
ajuda das mãos.

Mas tudo chegou ao fim, a casa, com a plantação de abiu, as mangueiras, a folha de zinco com as roupas a secar no sol e o chiqueiro do porco sempre limpinho, foi vendida para a construção de um edifício. O construtor, depois de várias tentativas em realizar o negócio, resolveu pedir a minha ajuda. Sugeri que homenageasse um dos moradores, membros da família Santoro. Diante daquela proposta, os rostos se calaram, as lembranças assumiram o lugar do vozerio e as mãos ainda permaneceram falantes e evoluindo perdidas no ar, como a procurar na história, nos pensamentos, o nome que mais conviesse. E não mais que subitamente as palavras vieram nas bocas e nas mãos
na tentativa do convencimento, e com elas as lágrimas.

Não chegaram a nenhum acordo. Eu ouvi com delícias aquela última briga. Desistiram dos nomes e ficou acordado, apesar de nenhum deles ser provenienti da lì, que se chamaria Torre de Pisa (o que quase desandou quando o construtor grafou com dois Zs). Mas eu pedi que duas mãos fossem colocadas embaixo do nome. Eles não
entenderam o porquê, mas acharam bonito. Eu achei, belíssimo! A suspender no ar um beijo ajuntado pelas pontas das minhas mãos.

**Crônica primeira colocada no Prêmio UFF 2011, em comemoração ao ano Brasil-Itália

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