Lembro bem, era o dia do meu aniversário e decidi cortar meu cabelo. A partir desse último acontecimento, começou minha quarentena. O cabelo cresceu e aconteceu a possibilidade dele ser cortado, por minha mulher. É claro que poderia acontecer a retribuição tingindo seu cabelo, o que proporcionou a crônica anterior quando falei sobre cabelos brancos, apenas uma sugestão para que meus dotes de cabeleireiro, formado nos tutoriais do Youtube, fossem colocados à prova.

Desisti, no entanto, em arriscar sobre o corte, depois da testagem feita no poodle aqui em casa. Depois dos procedimentos e, chegando à conclusão que a raça do cachorro deveria ser, radicalmente, modificada, eu, claro, declinei do convite e comecei a curtir meus cabelos como aquele garoto old fashion que amava os Beatles e os Rolling Stones.

E, dizendo que ontem os meus problemas pareciam muito distantes, como nos versos do primeiro citado acima (Yesterday), tendo em vista que essa viagem continua e o seu destino nunca chega, me faz lembrar das crianças no carro sempre perguntando “Falta muito pra chegar?” Pois é, parece que falta muito, e a gente sempre procurando nas notícias da internet se o remédio para isso tudo tá chegando.

Em dias de confinamento, vendo a vida passar abaixo da janela, o sol brilhando lá fora e somente os pássaros e os animais ocupando os “nossos” espaços, as pessoas vão se reinventando. Novos Youtubers, novos empreendedores, gente procurando fazer o que não fazia antes, por falta de tempo, ou por não desperdiçar em coisas até então inúteis, entretidos que estavam na procura sempre incessante pelo poço do dinheiro, o mesmo
daqueles sujeitos que estão cavando em Oak Island, que, por sinal, tiveram que interromper por causa do, do, do, pois é, dele.

Acho que em alguns já vai se instalando aquela angústia do tempo perdido. Confinados por causa de um ser invisível, mas que sabemos que está ali, talvez ao lado.

A pergunta que devemos fazer a nós mesmos seria quem sairá do confinamento. Que ser nós estamos treinando e preparando para sair nas ruas? Uma personalidade reconstruída, destruída, com aprendizado, mais culta, menos culta, mais revoltada, mais pacífica?

Essa escolha é nossa, e não é a do vírus. Será que perderemos tempo em filas para comprar a última moda nas lojas? Valorizaremos as caminhadas ao ar livre?
Mudaremos nossos hábitos e olharemos mais em volta, e não uma fixação por uma conta bancária maior?

Mais do que o confinamento físico, precisamos pensar no confinamento espiritual em que nos colocamos ao longo do nosso tempo de vida. Dá para perceber que enclausuramos um ser dentro de nós mesmos durante muito tempo, e não nos apercebemos disso? Quanta coisa que privamos nosso corpo e mente, e a confinamos dentro de preconceitos, desejos e satisfações que, na verdade, não nos satisfaziam, e nem sabemos o que ou a quem.

É hora de pensar no confinamento, depois desse, porque virá. Não podemos sair do confinamento físico e nos encerrarmos no outro confinamento em que nos encerramos durante muito tempo, e não percebemos.

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