Bem que eu me arrependi de ter chegado ao baile usando aquela velha jaqueta surrada. Até que a calça era apresentável, o tênis nem tanto: afinal era um baile. Os amigos bateram na minha porta como se tivessem feito a maior descoberta do mundo. Encontraram uma festa, alguém tinha um convite, poderiam entrar todos, quem sabe? E agora estava ali, sentado na cadeira e meu olhar se perdia, timidamente tentando mirar alguém que pudesse chamar para dançar. Logo eu! Um grupo de meninas em uma roda parecia trocar segredos e risos, e, dentre todos aqueles sorrisos eu vi Maria.
Não sei se por impulso, uma mola que me jogou para dentro do salão, os meus passos foram, vagarosamente, na direção delas. Com a minha chegada, os sorrisos pararam e eu me dirigi para ela, Maria, que parou de sorrir, de repente.
Perguntei se ela queria dançar, e um silêncio se fez. Me fiz de desentendido, porque somente os olhos de Maria, e aquele sorriso que ela tinha no rosto, eram aquilo que eu gravava na memória: o sorriso de Maria, o olhar brilhante que de repente se desfez, mas, ao nos olharmos parecia que um interruptor qualquer o acionou. As amigas se afastaram, e diante da relutância dela, em se levantar, eu notei que a cadeira fazia parte dela.
O silêncio pareceu se acomodar no salão, a música continuava, mas os casais pararam em volta.
Puxei as mãos de Maria, fiquei ajoelhado aos seus pés, e fui trazendo as suas mãos delicadas, e pernas rodantes foram me acompanhando para o centro de tudo. Os casais se afastaram e fui volteando em torno dela, e o
sorriso de Maria voltou, e nada mais eu via. Depois me contaram que um irmão queria saltar sobre mim, mas foi contido pelo pai.
Mas, nada disso eu ouvira, somente os olhos e o sorriso de Maria tomavam conta de mim. Queria abraçá-la, mas, ela parecia bem longe, segurando suas mãos, e me fazia circular em volta dela. Maria era muito mais do que era. Maria, de repente, no meio de meus vinte anos, se tornara a pessoa mais importante para mim.
Conversamos toda noite. Eu, de joelhos, ouvia a vida de Maria, e ela se inclinava para mim, e somente nós dois existíamos no baile.
Quando peguei o seu telefone, um pai se aproximou e avisou que era hora de ir. Não vi olhares sobre mim, somente via os olhos e o sorriso de Maria se afastarem, e se tornarem inesquecíveis.
Procurei Maria, e fomos resistindo com o tempo, às oposições de todos, e culminei esperando por ela em um altar, e, vendo-a chegar com o pai, desci as escadas e fui ao encontro dela, trazendo-a em meus braços para podermos
casar.
Nossa vida foi toda assim, de murmúrios, aplausos, compaixão daqueles que se aproximavam, e pareciam não entender que havia amor entre nós.
Mas, eu somente tinha olhos e ouvidos para os olhares e o sorriso de Maria. Maria escolhia as minhas roupas e ria da maneira despojada que eu tinha. Meu mundo era mais baixo do que todos, e eu sempre ouvia Maria de joelhos, e era um mundo mais silencioso, mais contido.
Ficamos pouco tempo juntos. Maria se foi, com a doença que aos poucos foi tomando conta do seu corpo, e eu ignorei ou não me disseram, não sei bem.
Às vezes, quando me chamam, amigos de outras datas, para conhecer alguém nos bailes, me visto do jeito mais simples, sem ouvir as críticas que certamente existem. Sento no bar, me afasto do movimento das pessoas, e
fechando os olhos tento imaginar que ao reabri-los, de repente, serei surpreendido com o sorriso de Maria no meio de tantas outras.
E se me perguntam por que eu faço isso, eu respondo que não sei, sou feliz assim. Conheci o verdadeiro amor não no lugar comum, mas, descobri o amor além, muito além do que a maioria das pessoas percebe.