Memórias são como pequenos documentários que nossas mentes vão acumulando. Nunca é um filme completo. São pedaços de experiências, boas ou más, que tivemos durante nossa vida.
Quando estamos na solidão, as memórias aparecem para cumprir seu papel de preencher os espaços vazios dos nossos silêncios. Memórias são como anjos que nos ajudam nos momentos mais terríveis, nos mais alegres, naqueles, simplesmente, onde queremos companhia. Memórias são brinquedos que manipulamos ao nosso prazer. Podemos modificá-las, transgredi-las, uma viagem no tempo, trazendo o passado para o presente e imaginando que futuro teríamos. As memórias são o único contato entre o prisioneiro e a liberdade, como um álbum que se abre e ativa a câmera de olhar.
Memórias, nos tempos de hoje, são as coisas mais valiosas que temos. Memórias são a razão para continuar a existir. Eles mostram um mundo possível, permitem que possamos avançar, e criar mais memórias.
As memórias podem ser ruins, podem nos trazer momentos desagradáveis, infortúnios, e, ao mesmo tempo, são lições para sobreviver, lições para o que não se deve fazer. Memórias, se inimigas, são colocadas de lado, em um banco de espera, mas são impossíveis de serem apagadas, porque são os traços, as pegadas que a nossa existência foi deixando pelo caminho.
O que seria de nós, vivendo uma situação de isolamento, de distanciamento, se não fossem as memórias nos confortando, provando que ainda estamos vivos e ativos, capazes de rodar esses pequenos documentários?
É hora de esquecer o portal de retratos, imagens paralisadas no tempo, se temos a memória girando e movimentando nossos corpos virtuais deixados no espaço temporal. Com elas podemos sentir o cheiro da pele ou o gosto do beijo, podemos guardar a voz e os gestos da pessoa amada, e da sensação gostosa da vitória alcançada. E o medo do desconhecido quando, corajosamente, conversamos com nossos fantasmas.
Nas civilizações, e foram muitas até chegarmos à nossa, as memórias estão com as mulheres, sempre confinadas nos lares, em um isolamento passivo, enquanto os homens saíam dos lares. São as mulheres, as avós que guardam as memórias das famílias, e as levam quando vão embora, deixando-nos em um tipo de orfandade, espaço vazio para a criação de novas. Por isso, talvez, seja a memória o feminino. Respeitar as mulheres é respeitar a memória. E quando agredimos essa feminilidade é como se socássemos os nossos segredos e perturbações mais guardados: uma mãe, uma mulher sabe com quem lida, e, nos seus silêncios, no isolamento são as guardiães das memórias.
Mas as nossas nos pertencem, como os segredos que guardamos. E as memórias são super-heroínas aladas que nos ajudam a superar estes momentos cruciais de nossa existência, demonstrando nossa fragilidade, ou a nossa força em resistir, sempre.
Memórias não têm fim, até que nos tornemos as memórias de alguém, e que elas sejam boas, sempre.
*Nilson Lattari. Graduado em Literatura pela UERJ e especialização em Estudos Literários pela UFJF. Fui primeiro colocado em crônicas no Prêmio UFF de Literatura, 2011 e 2014, e terceiro colocado em contos pelo mesmo prêmio em 2009. Primeiro colocado em crônicas prêmio Darcy Ribeiro – Ribeirão Preto, 2014. Finalista em livro de contos Prêmio SESC de Literatura 2013, finalista em romance Prêmio Rio de Literatura, 2016, além de várias menções honrosas em contos, crônicas e poesias.