As ruas estão desertas. No meio do dia, ouço o sem-teto conhecido do bairro  gritando pelas ruas: “Gente, onde estão vocês? Cadê todomundo?”Profeticamente, ele encosta o rosto na parede, como se socasse os seus pensamentos, tentando extrair alguma coisa mais e começa cantarolando:” Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais”.

Têm coisas que nos causam calafrios. Escondido dentro dos meus pensamentos, envolvido pelas paredes da minha casa, no andar mais alto, escuto os sinais que saem dos seus pensamentos, encontrando os meus.

Mas a questão é falar sobre desertos, e sobre praias; “As praias desertas continuam procurando por você”, que elas, finalmente, nos encontrem. Ou não?

Mas os desertos vão mais além do plano terrestre, os desertos habitam pensamentos. Desertos em gente de bem, de bem com a vida, com o dinheiro no bolso
cheio, que teme ficar deserto.

O sem-teto caminha pelo deserto das ruas, e a sua voz prediz o previsível.

Dizem que o deserto tem sua beleza, uma solidão, uma infinitude, uma ausência de vida, de cor única, e o peregrino avança tendo como companhia a sua sombra, a única que muda com o seu andar, algumas vezes longa e distante, e algumas vezes perto, muito perto. Porque, algumas vezes, o perigo parece distante, e em outras vezes ele está perto, muito perto.

No seu andar claudicante ele tenta sobreviver nas ruas ausentes de gente. Quem socorre o caminhante? Ele é um filósofo (me confessou, uma vez, que estudou Filosofia) e percebe a vida nas ruas muito mais além do deserto, mais além de um bêbado e equilibrista.

Mas os desertos continuam, e eles estão “nas cabeças e andam nas bocas”. As sombras seguem autômatas as ordens presidenciais de um contaminado pelos desertos de pensamentos, e saem pelas ruas desafiando o bom-senso. Sim, como elas poderão sobreviver sem a sua renda? É uma questão, e é nessa hora que o Estadista, com E maiúsculo, entra em ação. Ordena que todos sobrevivam, porque todos são importantes.

Afinal, é um caso que é perigoso para os idosos, aqueles com mais de 60 anos, não é mesmo? mais ou menos como um discurso de excludentes, daqueles que são pesos na sociedade. E são, justamente, os cientistas, os professores, os mais experientes, os que mais viram coisas, os que podem, com sua experiência, ajudar a combater e, principalmente, passar sua experiência para os mais jovens, os aprendizes, os que “não vão morrer”. Sem os guias dos desertos? Será mesmo? Não vão?

Que sinais, o sem-teto do bairro fala? De onde eles vêm? O deserto vive da ausência, a ignorância também, uma espécie de deserto que vai nos matar a todos de
sede. E eles vêm do silêncio que “anda nas cabeças e anda nas bocas”.

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